ALQUIMIA Na farmácia de Paracelso, em Bratislava, os coleccionadores de unguentos debruçam-se sobre chaminés alquímicas, provetas de prata, colheres de medidas certas, usadas nas operações em que a matéria se transforma noutra matéria, soltando os espíritos elementares. Há quem procure o sentido para essas mutações, e queira saber o que significam os emblemas, os signos, as marcas que se espalham pelas paredes, numa ordem cuja lógica se perdeu. No entanto, os seus olhos continuam cegos para o essencial: o tempo, que começou a ser contado no dia em que Paracelso aqui chegou, parou quando a areia acabou de descer. Então, uma rixa de bêbedos pôs fim à sua vida. Pouco importa! É verdade que ele descobrira a chave dos enigmas: a correspondência entre a alma e as coisas físicas, o caminho que conduz ao hemisfério sombrio das emoções, a luz que apaga a depressão dos homens. 25-9-98 | UT PICTURA POESIS (variante com flash) Podia considerar a poesia, como a pintura, própria para um retrato de geração. O lugar ideal para nele colocar amigos e conhecidos, família e parentes, e até os inimigos, mas estes incluídos num género específico - a sátira - de que não iriam sair muito favorecidos. Todos prontos para o flash - e já está, os rostos mais sérios do que outra coisa, alguns ainda despenteados do vento, e só as mulheres mais novas atirando um sorriso para a frente, o que se explica porque é a idade em que a vida ainda não fez das suas. Mais tarde, quando desse por que o tempo passara, e tudo o que conheceu foi arrastado por ele, poderia abrir o álbum. Um a um, cada um dos rostos regressaria, intocado, contando-lhe a história antiga. Ao ver uma ou outra das amigas de outrora, poderia até voltar a sentir o calor dos seus corpos, a aproximação dos lábios, numa ânsia que a noite favorecia, e tudo o resto que nem sempre se pode contar. Mas viu que tudo estava desbotado, que as cores tinham empalidecido, que os fundos já não tinham o cheiro do campo, que o próprio mar desaparecera de trás das últimas colinas. No fundo, estava-se a ver ao espelho: ele próprio, o mais desbotado dos retratos; e a sua vida, a mais apagada das memórias. durban 12-5 -99 | JANTAR Em frente da japonesa que lia um livro sobre o Cosmos, um homem pediu ao criado que lhe cortasse a pizza às fatias: duas, e depois outra vez, mais duas. O cosmos dele ficou assim repartido, em quatro, no prato, enquanto a japonesa lia. O cosmos dela, esse, continuava inteiro; e a sua expansão infinita não parou, durante esse jantar, ao contrário da pizza que foi desaparecendo no prato do homem. S. Paulo 27-4-2000 |