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4 Poemas Inéditos

por António Ramos Rosa (pp. 19-20)

Já não é tempo de
e é este o tempo porque é sempre assim.
Por breve que seja e obscuro o anúncio
há que dar os passos necessários porque é tempo.

E assim faremos o que talvez não esperássemos
e que esperávamos em inquieta expectativa.
Quantas sequências tem o dia,
quanto silêncio na imensidão da noite!

E para que são as palavras que se perdem
no seu próprio som e na sua cor sempre excessiva?
Se um sopro de calma confiança as reunir
talvez o tempo seja a transparência de um instante
e seja como nunca, fábula, sortilégio, musa.
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Louvar
após o longo apagamento
a tranquilidade dessa respiração harmoniosa
que ilumina o ar e deixa eclodir
o que se tinha recolhido no silêncio.
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Estaria se estivesse não estou porque não estou
Nem um murmúrio branco da branca solidão da página
Nem um murmúrio vermelho de algum grão de terra
Do que é nulo e neutro o que poderá surgir?
Deus que é Deus quando o nada prevalece?
Uma prece ou súplica nunca poderá ser ouvida
mas talvez uma prece suscite a possibilidade de um ingénuo impulso
e a palavra possa surgir com uma imprevisível audácia
Deus então será a penumbra vibrante
por onde o poema flui em sinuosas voltas
E se tiver a subtil simplicidade da água
Poderá ser à transparência um peixe luminoso
Que é a sua própria imagem deslizando em fugidia liberdade
Quando por fim sentir que a sua sombra sorri
É porque Deus passou como um peixe de sombra.
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Vem meu Deus com os ramos do sono entrelaçando-se
e unindo-se como uma rosácea cada vez mais densa e fluída
e perfumando o corpo com o seu odor de sombra
e oferecendo o universo por dentro como uma amêndoa ou um diamante
Vem com a tua violência suave com a tua felina lentidão
e lavra o meu corpo com o teu sopro oceânico
para que eu seja uma vogal do teu silêncio
e beba a tua saliva para que o impossível seja real
e eu reencontre a minha nudez contígua ao universo
Vem que eu quero ouvir quero ver palpar cheirar
O teu corpo de sombra oceânica e de leão vegetal
para que não perca o ensejo de estar vivo
e entre na dimensão da tua viva eternidade.
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