UM COPO PARA A MINHA SEDE
Bairro árabe. Subir e descer.
Dentro do que sou e não sabia.
O cheiro das vogais colorindo o colo
das montanhas. O meu filho dorme
com o nome das ruas junto ao Darro
e o pequeno gato que apareceu à porta.
Os nossos passos são o arabesco do gemido
do pequeno Boabdil em plena queda.
Tu és o meu gerúndio, a negação do tempo
fora das muralhas. Intocável o esquecimento.
Desço pelo teu corpo até ao empedrado das ruas
e o meu coração rasteiro come a poeira
do vento. Um copo para minha sede.
Aprendo com a cidade
a trazer o instante no bolso das moedas.
Granada já não chora e o rio estende-me
O seu leito. Deverei pernoitar neste caminho
onde a asa ferida do pássaro lhe alimenta
o voo? Aprendo o riso órfão dos muros de argila,
os sinais dos mortos subindo pelo ar
até à mesquita. Aprendo com a língua das ruas,
com os dentes de leite de Albayzin.
Fim de tarde. Procissão de cores comendo
a blusa até à carne com um copo de vinho
e a neve da montanha. Dentro de mim
a pele da cidade penetra o corpo dos ciganos
em voo rasante sobre nada.
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O GATO ANDALUZ
O meu filho caminha por aí. Já não sei
se é o Douro ou o Darro que lhe embala o sono.
Nem onde guardei as datas e o nome das ruas
ou se te vou encontrar logo à tardinha.
Deixei-me de saber e de pensar que sei.
Um gato arranha à minha porta a miar em andaluz.
Eu arranho a porta a dois dias daqui, duas horas
de avião. É proibido miar nos voos europeus.
Engulo a saliva do dia e assim se faz noite.
E não há gaivotas a gritar por mim. Por mim
estou eu à janela do avião. As malas
com que te hei-de dizer: cheguei. O teu abraço
como um rio qualquer onde corra água.
Esquecer o que ficou para trás e a língua que me fala.
Levar o copo à boca de onde nasce a boca,
a fonte do quintal, a nascente do mar. O meu filho
voa como se caminhasse descalço. Cruzamo-nos
no horizonte sobre a linha do rio onde desagua a luz.
E as palavras aquietam-se no seu nada.